O homem que recuperou a fé
A medo Pedro entrou na Igreja. Há anos que deixara aquela porta fechar-se para si. Há anos que perdera a fé. Pedro inalou o cheiro das flores, do incenso e da cera queimada e como se de um gesto rotineiro se tratasse, benzeu-se.
Casara-se ali. Casara-se num dia solarengo de Agosto. Reunira a família e os amigos. A Igreja estava cheia, as crianças brincavam, davam gargalhadas, as mulheres observavam os vestidos alheios, os homens conversavam. De repente, o murmúrio crescente fora quebrado pela valsa nupcial e Débora entrou na igreja. A troca das alianças, as palavras ditas, as promessas e o beijo selavam uma relação e abriam caminho a uma nova vida. E assim foram abençoados.
Pedro escutou o silêncio frio e tranquilizador da Igreja. Observou os detalhes, a nave central, o altar, as colunas, o órgão de tubos. Observou a beleza e o requinte interior face à sua pobreza e estado de espírito. Observou as pessoas, sentadas, esperavam pela missa da tarde. Acreditavam. Eram guiadas pelo dito Deus.
Pedro também fora uma ovelha do Seu rebanho. Mas de um momento para o outro o dito Deus desapareceu da sua vida. E foi numa tarde de Agosto, também solarenga, que alguém o avisara que a mulher fora atropelada. Débora tinha ido almoçar com uma amiga no centro da cidade movimentada. Ao atravessar a estrada sem olhar, o sinal verde caíra, mas um carro desvairado ignorara a sinalização e embatera nela. Débora estava grávida de quatro meses. O seu corpo lutara pela vida, mas não resistira e a criança também não.
Que Deus é este que nos tira quem amamos sem aviso prévio? Que Igreja é esta que nos impõe mandamentos e não nos salva dos infortúnios? Pedro sentiu os remorsos entranharem-se pelo seu corpo. A bênção do casamento não lhe servira de nada. Deus ofereceu-lhe a felicidade para depressa a tirar.
Pedro sentou-se. Olhou Cristo na Cruz, procurou Deus nas paredes ornamentadas, nos frescos detalhados e como se de repente a fé reprimida ressuscitasse dentro dele, pediu-Lhe para partir. Pediu-lhe para ir ter com Débora!
[Ficção - Life Moments]
* Fotografia by Alexandre Cibrão www.acibrao.com