O sol rompeu por entre o céu nublado, deixando transparecer um mar denso e agitado, e gritando "bom dia". Preso no meu fato preto armani, senti o cheiro a mar embrenhado no café e peguei na chávena com a mão a tremer, ansioso. Senti o paladar adocicado e rico daquele remédio matinal e folhei o jornal sem me focar em nada.
Esperei por ela durante anos. Aquela rapariga doce que me quebrou em pedaços há muitos anos atrás e me deixou viver numa ilusão. Como estará agora? Afastei, outra vez, a manga do casaco e olhei para o elegante e extravagante relógio de pulso, mas as horas pareciam suspensas. Esperei tanto por aquele momento, porque me custa agora esperar mais uns minutos?
O mar estava revoltado, outrora estivera eu, angustiado e imerso em perguntas sem resposta. À beira do abismo escolhi o caminho que Deus me indicou. Agora sou um homem de meia idade, casado e com filhos crescidos. Sou um homem rico e poderoso. Tenho tudo o que quero. Minto, talvez não tenha tudo.
Chegou finalmente. Veja-a bela como se o tempo não tivesse passado. Acena-me e sorri. O mesmo sorriso contagiante da rapariga humilde e inocente que conheci. Sinto-me nervoso. Tudo aquilo que pensei dizer, deixou de ter sentido. Sinto-me rídiculo, eu, o todo poderoso?
Ela aproxima-se e abraça-me.
E de repente, estamos outra vez abraçados, a balbuciar palavras de despedida naquela manhã fria de outono de há vinte anos atrás!
[Ficção - Life Moments]